Nesse artigo vamos explorar dados de pesquisas recentes sobre o aumento de casos de ansiedade, depressão e outros transtornos mentais, quais possíveis causas, soluções propostas por alguns autores, e como o estudo da música pode ser uma poderosa ferramenta para a melhora do bem-estar psicológico.
PANORAMA DA SAÚDE MENTAL
GERAÇÃO Z (jovens nascidos de 1995 a 2010)
- 65% dos membros da Geração Z relataram ter tido pelo menos um problema de saúde mental nos últimos dois anos. Esta estatística foi mais baixa para todas as gerações mais velhas, incluindo os Y/Millennials (51% ), Geração X (29%) e Boomers (14%)[1].
- O suicídio foi a terceira principal causa de morte entre os jovens da Geração Z em 2022[1].
LGBTQIA+
- 74% dos adultos LGBTQIA+ se sentem frequentemente ou sempre ansiosos, e 50% se sentem frequentemente ou sempre deprimidos[1].
- 60% dos jovens LGBTQIA+ sofreram discriminação no ano anterior devido à sua orientação sexual ou identidade de gênero, e 24% foram fisicamente ameaçados ou feridos pelo mesmo motivo[2].
CAUSAS DA ANSIEDADE, DEPRESSÃO E OUTROS DISTÚRBIOS MENTAIS
Alguns fatores que contribuem para essa crise incluem a própria dinâmica da Sociedade de Desempenho, o uso excessivo de mídias sociais, preocupações financeiras e desigualdades econômicas, aumento do estresse devido a preocupações globais como violência armada e mudanças climáticas.
Sociedade de Desempenho
Byung-Chul Han, autor do livro "Sociedade do cansaço", associa o aumento de depressão, TDAH e Burnout ao excesso de positividade da Sociedade de Desempenho.
Diferente da Sociedade Disciplinar (Foucault) onde controle é exercido de forma negativa (proibições, punições e restrições) pelas instituições (prisões, escolas, etc), na Sociedade de Desempenho (Han) o controle é exercido de forma positiva (motivação, incentivo), pelo próprio indivíduo, que é impelido a se autogerir e maximizar sua produtividade.
Lemas como "Yes, we can" difundem a ideia de que todos podem alcançar o sucesso se se esforçarem o suficiente, o que leva à auto exploração, esgotamento e problemas de saúde mental.
- A depressão é vista como resultado da pressão por desempenho, não apenas pela autoexploração, mas pela falta de vínculos sociais. O fracasso é visto como uma responsabilidade individual, intensificando a auto-acusação e a autoagressão.
- A multitarefa (comum em animais selvagens que precisam dividir sua atenção entre comer, vigiar a prole e evitar predadores para sobreviver) representa um retrocesso civilizatório para nós humanos. Com nossa capacidade de foco fragmentada pela cultura da hiperatenção, aumentam os diagnósticos de doenças como TDAH e o uso de Ritalina em indivíduos saudáveis para aumentar o foco e a concentração na escola e no trabalho.
Redes Sociais
- Jonathan Haidt, em seu livro "A Geração Ansiosa", aponta duas causas para o aumento da ansiedade e depressão na Geração Z: o declínio das brincadeiras ao ar livre e a ascensão do uso de celulares.
O autor diz que, desde os anos 80, pais têm restringido brincadeiras ao ar livre não supervisionadas por temores relacionados à segurança. A popularização dos smartphones e redes sociais nos anos 2010 agravou a situação.
Super protegidos no mundo real e sub protegidos no mundo virtual, os jovens passam mais tempo online e menos tempo interagindo face a face, prejudicando suas habilidades sociais e emocionais e aumentando a exposição a conteúdos que promovem ansiedade e depressão.
- Ainda de acordo com Haidt, a constante exposição a estímulos digitais reduz a capacidade de concentração. A atenção fragmentada está intimamente associada ao aumento de diagnósticos de TDAH.
- Emma Lembke (estudante de 19 anos da Universidade de Washington que, ao vivenciar os efeitos negativos das redes sociais, decidiu iniciar o Movimento Log Off em 2020) também havia encontrado estudos mostrando uma possível correlação entre o aumento das taxas de ansiedade, suicídio e transtornos alimentares juntamente com o aumento das taxas de uso das redes sociais[3].
- Haidt afirma que as redes sociais afetam mais as meninas por conta da comparação visual e do perfeccionismo. As meninas compartilham mais facilmente emoções e distúrbios e estão mais sujeitas à predação e ao assédio.
- Documentos do Facebook revelaram que o Instagram piora a imagem corporal de uma em cada três adolescentes[4].
Preocupações Financeiras e Pressão por Realização
- 56% dos jovens da Geração Z afirmam que preocupações financeiras impactam negativamente sua saúde mental. 51% afirmam que a pressão de realização está tendo o mesmo impacto[5].
Falta de Direção e Propósito de Vida
- Metade dos jovens adultos da Geração Z dizem que sua saúde mental é afetada negativamente por não saberem o que fazer de suas vidas, e 58% não tinham sentido ou propósito em suas vidas no último mês[5].
- O maior impulsionador da felicidade da Geração Z é seu senso de propósito na escola ou no trabalho[6].
Necessidade de Conexão com Outros
- 44% dos jovens adultos da Geração Z sentem que não têm importância para os outros, e 34% relatam solidão e falta de conexão com outros[5].
Violência Armada
- 42% dos jovens adultos da Geração Z dizem que a violência armada afeta negativamente sua saúde mental[1].
Mudanças Climáticas e Preocupações Globais
- 80% de 10.000 jovens de 16 a 25 anos que participaram de um estudo em 2021 estavam preocupados com a crise climática, com muitos expressando sentimentos de tristeza, ansiedade, raiva e impotência[7].
SOLUÇÕES PROPOSTAS POR ALGUNS AUTORES
Jonathan Haidt (autor do livro “A geração ansiosa)
Haidt sugere uma ação coletiva urgente dos pais e educadores para frear o aumento da ansiedade e depressão. As ações incluem:
- Incentivar crianças a terem mais tempo para brincadeiras ao ar livre com mínima supervisão adulta.
- Inserir crianças em comunidades estáveis do mundo real, evitando redes online.
- Adiar a entrega de smartphones e abertura de contas em redes sociais até o ensino médio, usando dispositivos apenas para comunicação.
- Proibir dispositivos móveis nas escolas para promover atenção e interações pessoais.
- Valorizar práticas comunitárias: à medida que as comunidades se envolvem nestas práticas em conjunto, e especialmente quando se movem juntas em sincronia, aumentam a coesão e a confiança, e reduzem a solidão.
O autor também afirma que adolescentes que passam mais tempo com grupos de jovens (como as práticas de esportes coletivos, música em grupo, etc) têm melhor saúde mental.
Emma Lembke (criadora do Movimento Log Off)
Emma sabe que não podemos (especialmente a geração Z) simplesmente sair das redes sociais e compartilha suas estratégias pessoais que a ajudaram a diminuir seus sintomas de transtorno de ansiedade generalizada e TOC, especialmente relacionados à imagem corporal:
- Deletar o Instagram durante períodos estressantes (períodos de provas, por exemplo)
- Usar uma escala de cinza no celular para reduzir a atração visual
- Usar ferramentas como Screentime Genie e Habit Lab e BeReal para limitar o tempo de tela e saber a hora de voltar à realidade.
- O Movimento Log Off incentiva adolescentes a compartilhar suas experiências para educar legisladores sobre as necessidades e preocupações da Geração Z com a tecnologia. O objetivo final é impulsionar a regulamentação e criar um ambiente online mais seguro e saudável.
Annie E. Casey Foundation
De acordo com a fundação filantrópica para crianças e jovens, o senso de pertencimento é fundamental para o desenvolvimento e bem-estar de jovens: quando os jovens sentem que pertencem aos ambientes onde passam o seu tempo, sentem-se seguros, valorizados, afirmados, ligados e alinhados com os outros. Pertencer também é a ausência de medo do julgamento, das repercussões ou da pressão para mudar.
BENEFÍCIOS DA MÚSICA PARA A SAÚDE MENTAL
Com tantos estudos sobre a importância da interação no mundo real para a saúde mental, o estudo da música é uma ótima opção, pois não só proporciona uma pausa do mundo virtual, mas também ajuda a desenvolver habilidades sociais e emocionais essenciais.
Regiões do cérebro estimuladas durante o fazer musical[8]

Estudos mostram que a música pode ser uma poderosa ferramenta terapêutica
Saúde Cognitiva
- Tocar instrumentos musicais está associado à melhora da saúde cognitiva e do bem-estar em diversas populações, incluindo estudantes e idosos[9].
- A educação musical melhora habilidades cognitivas não musicais, como percepção da fala, habilidades matemáticas e memória[10].
Plasticidade Cerebral
- A prática musical provoca mudanças na anatomia cerebral, como maior densidade de tecido neuronal no córtex auditivo e motor.
Músicos profissionais têm maior volume do corpo caloso, permitindo melhor transferência entre hemisférios cerebrais[11].
- A música ativa uma rede complexa de regiões cerebrais, incluindo o estriado ventral, núcleo accumbens, amígdala, ínsula, hipocampo, hipotálamo e área tegmental ventral. Esses mecanismos estão associados à regulação do humor, motivação, memória e funções executivas[12].
- A música atua sobre várias áreas do cérebro, incluindo o córtex pré-frontal, amígdala e sistema límbico, promovendo flexibilidade mental e coesão social[10].
Ansiedade
- Estudos demonstram que praticar música pode reduzir significativamente os níveis de ansiedade e depressão[13].
- A música mostrou-se eficaz na redução de níveis de ansiedade e estresse, influenciando positivamente os sistemas cardiovascular e respiratório[10].
Depressão
- Em 26 de 28 estudos, houve uma redução significativa nos níveis de depressão nos grupos que participaram das intervenções musicais (ouvir música, participar de grupos de canto e improvisação instrumental, etc) em comparação aos grupos de controle. Os participantes relataram também melhorias na confiança, autoestima e motivação[14].
- Em dez ensaios clínicos randomizados com 1.248 participantes, a música usada como ferramenta terapêutica melhorou o humor, o bem-estar emocional e a qualidade de vida para casos de depressão[15].
- A música ativa o sistema de recompensa mesolímbico dopaminérgico, que pode ser útil no tratamento da depressão[16].
TDHA
- No caso de crianças com TDAH, o ritmo com sua pulsação regular pode contribuir para uma organização cerebral, permitindo uma melhora na atenção e na diminuição da impulsividade[8].
- A exposição à música aumenta a produção de dopamina, o que melhora a atenção, memória e processamento de informações[12].
Interações sociais
- A interação musical, mesmo entre não-músicos desconhecidos entre si, promove maior alinhamento comportamental mútuo, tanto motor quanto falado. Essa sincronia está associada a estados afetivos positivos, aumento da autoestima, comportamentos pró-sociais, a compaixão e a afiliação[17].
- A música frequentemente envolve interações sociais complexas que podem promover um senso de comunidade e pertencimento. Estudos mostram que a coordenação harmônica, como a consonância das partes musicais, está associada a efeitos emocionais e sociais positivos. A sincronização com um ritmo comum, por exemplo, está ligada a comportamentos cooperativos e julgamentos positivos sobre a qualidade musical[18].
- Uma das aplicações clínicas mais poderosas da música é melhorar a comunicação entre as populações que lutam com comunicação verbal, auto expressão e/ou engajamento social.
Foi demonstrado que a música como terapia melhora o estado emocional e capacidade de resposta interpessoal durante uma sessão. A música também tem sido usada em grupos para melhorar especificamente a comunicação e relações interpessoais[19].
INDÚSTRIA CULTURAL, SOCIEDADE DE DESEMPENHO E O MODELO ATUAL DE ENSINO MUSICAL
A indústria cultural se caracteriza pela uniformidade da cultura contemporânea, onde o entretenimento é utilizado para legitimar a produção em série de bens padronizados.
Impõe padrões que aparentam atender às necessidades dos consumidores, mas que na verdade reforçam o sistema, sacrificando a criatividade e a expressão individual.
Economicamente dependente de setores poderosos, a indústria cultural limita a autonomia dos setores culturais, obrigando-os a se adaptar às exigências dos controladores do capital.
A cultura de massa é marcada pela repetição e falta de inovação genuína, com produções que seguem fórmulas pré-estabelecidas, promovem um estilo que é uma caricatura de estilos autênticos do passado e transforma a arte em mercadoria, perdendo autenticidade.
Algumas escolas de música e seus franqueados operam dentro da lógica da Indústria Cultural e da Sociedade de Desempenho, na medida em que:
- usam exaustivamente termos como "desempenho" em seus sites e propagandas. As aulas de música que deveriam ser uma fonte de prazer e autorrealização para o aluno acabam se tornando um reforço da pressão por desempenho já exercida em outros setores de sua vida (trabalho, estudos, etc)
- prometem transformar seus alunos em "rockstars" ou artistas da Broadway. Ao oferecer uma formação padronizada que se alinha às exigências da Indústria Cultural, criam a ilusão no aluno de que de alguma forma isso lhe trará fama ou sucesso.
- dizem que os alunos com melhor desempenho serão selecionados para representar a escola em eventos e turnês. Essa estrutura espelha a lógica do mercado, onde a competição e o individualismo são incentivados.
COMO SÃO AS AULAS DE MÚSICA COM TOM VERAS?
O ensino musical está além de notas e acordes: é sobre se encontrar, se expressar e se conectar com outras pessoas.
Autenticidade e Expressão Pessoal
A autenticidade é a nota principal: cada aluno é incentivado a descobrir e expressar sua própria voz.
Os alunos não são moldados para se encaixarem em padrões pré-estabelecidos, a singularidade é valorizada.
Ambiente Livre de Competição
Um ambiente colaborativo, inclusivo e livre de competição levam os alunos a celebrarem as conquistas uns dos outros.
O aprendizado musical não é medido por desempenho individual, mas pela evolução coletiva. Essa abordagem reduz a pressão e a ansiedade que muitos estudantes de música sentem, permitindo que se concentrem no prazer de tocar e criar música.
Integração de Psicologia e Música
Fê Veras utiliza sua formação em psicologia para criar, junto com o professor Tom Veras, um ambiente de ensino que respeita o ritmo e a individualidade de cada aluno. A prática musical é vista como uma atividade terapêutica, que pode ajudar melhorar o bem-estar emocional e promover a saúde mental.
Desconexão do Mundo Virtual, Conexões Reais e Significativas
Atividades para que os alunos possam se conectar com outras pessoas presencialmente através da música, melhorar as habilidades sociais, emocionais e criar um senso de pertencimento.
Fontes
- https://www.aecf.org/blog/generation-z-and-mental-health
- https://www.thetrevorproject.org/survey-2022/
- https://www.nytimes.com/2022/06/14/style/log-off-movement-emma-lembke.html
- https://www.wsj.com/articles/facebook-knows-instagram-is-toxic-for-teen-girls-company-documents-show-11631620739
- https://mcc.gse.harvard.edu/reports/on-edge
- https://www.gallup.com/analytics/506663/american-youth-research.aspx
- https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/34895496/
- https://editora.ufpe.br/books/catalog/download/715/731/2299?inline=1
- https://www.frontiersin.org/journals/psychology/articles/10.3389/fpsyg.2021.713818/full
- https://www-periodicos-capes-gov-br.ezl.periodicos.capes.gov.br/index.php/acervo/buscador.html?task=detalhes&source=&id=W4389862546
- https://www-periodicos-capes-gov-br.ezl.periodicos.capes.gov.br/index.php/acervo/buscador.html?task=detalhes&source=&id=W2605212005
- https://www-periodicos-capes-gov-br.ezl.periodicos.capes.gov.br/index.php/acervo/buscador.html?task=detalhes&source=&id=W2789524050
- https://journals.plos.org/plosone/article?id=10.1371/journal.pone.0240862
- https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/28736539/
- https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles/PMC8846327/pdf/ckab042.pdf
- https://www.zora.uzh.ch/id/eprint/112776/
- https://journals.plos.org/plosone/article?id=10.1371/journal.pone.0250166
- https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/29152904/
- https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles/PMC10368476/pdf/fpsyg-14-1012839.pdf